Ao meu pai

    Não é numa cadeira de balanço que ele espera, nem na cama apenas. Ele anda e
come e dorme apenas, - vida tem um peso, como se um armário daqueles de colocar tralhas
estivesse nas suas costas. As mãos e o corpo tremem como se a vida ansiasse sair pelas
pontas dos dedos ou nas dobras das pernas. A doença dizia-lhe com palavras evidentes que
tinha pressa. Não essa pressa que as pessoas têm quando se dedicam aos seus quefazeres,
planos e desejos, não. A pressa que a vida tem é a pressa de sair dele, de fugir, largar-se do
corpo que cambaleia e não tem mais dureza e a rigidez da juventude.

    Deitado no sofá da sala deixa o raio de sol quente encher-lhe a cara vermelha de
boca aberta e displicente. Queimaria se não saísse com a sutileza da chegada. A luz do
sol não tem muito que ver com a escuridão que começa a se perfazer na mente que não
pensa, nem reflete, nem projeta, só espera. Espera. Esperar não é a faculdade dos que
adquiriram paciência... é também a dos que perderam a urgência. A sala às vezes parece
que é grande demais nos seus menos de 10m². Dimensões imensas. A sala é cheia dos netos
que a vida joga e os filhos que a vida fez. O velho sentado na sala como uma cadeira de uma
sala que não se usa mais, uma televisão ligada e desligada à revelia de seus desejos, um
cumprimentos que soa a normalidade mais abandonada dos seus. Que também esperam.
    Enquanto os dias se passam numa mágica lentidão de eventos: um café, uma rotina
matutina que não preenche mais as expectativas, uma passagem na rua ao lado para não
ver mais ninguém de seu passado que se distancia sem rastros, a padaria da esquina que
antes comportava o nome de mercearia e tinha a nódoa de um mínimo passado esvaído em
imagens que não voltam, a visita a parentes que só ele conhece a fundo e de perto, a noticia
que um irmão está a beira da morte não mais surpreende nem estagna ou entristece, é um
recado puro e simples como “o pão mais novo só sai em dez minutos”.

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