- Mas João, eu já disse, tinha uma pedra no meio do caminho! O que porra eu poderia fazer?
- Não Mané, tinha uma pedra, e você não perguntou nada a ela? Num deixou ela te ensinar nada? Caralho.
- Ensinar o quê, João? Tá louco? Uma pedra me ensinar?
- Mas João, não adianta forçar, a lição da pedra só é aprendida por quem consegue falar com ela, feito você. Tem gente, como eu, que, só aprende pelo ar, pela fé, pela força vital da sensualidade, nem todos podem aprender com a pedra, entenda. Manuel, eu acho aprendeu mais com o fogo, com a metalinguagem, não sei.
- Adélia... Não se perde uma oportunidade dessas, não se acha uma pedra no caminho duas vezes! Mas tudo bem, vamos ao que interessa então. Me traz notícias de Sevilha?
- Não João, eu só vim perguntar uma coisa a vocês.
- Agora que percebo - Disse Manoel - Você ainda tá do "outro lado". Rosa explicou tudinho. Ele fingia que num sabia, o safado, mas sabia de tudo! Tá no sertão. Tá no Chico. A gente passou e quase não conseguiu ver.
- Pois é, Mané, aprendi tanto com a passagem que você nem imagina. As pedras ensinam, mas a morte então! Aliás, Adélia, como é que você já tá por aqui?
- Ah, João, vai saber. Eu devo estar dormindo, e quando acordar só vou lembrar de poucas coisas: "Tive um sonho maluco hoje com João Cabral e Manoel Bandeira, querido!". Vai ser uma boa história no café. Então, me digam afinal: A gente quando vem pra cá, lembra dos livros que já leu, das pessoas que a gente já beijou, das comidas e das bebidas que a gente já provou? E novos livros? E novas pessoas para se beijar e novas comidas e bebidas? Tem?
- Você não faz ideia, Adélia.
- Sério?
- Séríssimo. Pasárgada existe.
- Mas e os poemas? Ainda se tem fonte genitora nessa situação?
- Você nem precisa escrever - Disse Manoel - Eles transbordam pelos poros da pele, pelos olhos, pela palavra... Tudo é apoemado por aqui. O poema por si às vezes cria asa, à la Quintana, e sai voando e cantando, ecoando pelas paredes da alma.
- Que coisa linda! Mas me digam, se tem tudo isso, e de certa forma as coisas "continuam", por que a gente tem que passar por tudo aquilo antes?
- Tem uma pergunta mais fácil, não? Isso aí acho que nem Rosa sabe. Talvez saiba. Sabia que aqui não tem canavial? As canas-de-açúcar crescem lado a lado de tudo que é fruteira.
- Imagino, João. Mas e quando a pessoa se cansa disso tudo, como faz? A eternidade é muito longa, e o tédio é muito rápido. Um ilimite pode ser torturante, não?

- Deixa que eu respondo essa, meus queridos colegas Além-Brasil. Prazer Adélia.
- Prazer, Guimarães.
- Olhe, daqui quando se aprende tudo, o que demora muito, depois de preencher umas papeladas e fazer uns testes na burocracia do Cara lá, você senta na sala de espera, e espera o resultado, tomando aquele café com uns pãozinhos de queijo. Quando você é aprovado, você passa daqui para uma melhor.
- De novo?
- Assim, você é promovido. Vai ganhar novos sentidos, ferramentas, conhecimentos, para uso próprio. Mas acima de tudo, para ajudar os outros. Escrever é um detalhe tão minúsculo... Tem muita gente que faz coisa muito mais importante. E de vez em quando pra passar o tempo a gente manda alguma coisa daqui quando tá faltando coisa boa daí. É uma briga de foice pra saber quem vai mandar o quê. Zerinho ou Um, Mamãe-Mandou, Pedra-Papel-Tesoura, e às vezes campeonato de Naruto quando a coisa esquenta.
- E os santos?
- Os católicos ou os ecumênicos?
- Os dois.
- Alguns são pseudo-santos. Desfilam por aí como se tivessem auréola, corrompidos com vaidade eclesiástica inútil, só tem ego-pós mortem. Os santos de verdade não pararam. Até hoje estão a ajudar os mais necessitados e a lutar por seus ideais.
- Adélia, o papo foi ótimo, mas temos que ir, vamos tomar uma com Drummond. Aqui nem se tem ressaca sabia? hahahaha. Um beijo minha linda, até daqui a 30 anos.
- Um grande abraço, minha querida, continue com seu trabalho maravilhoso, quando você vier vai ter um lugar na mesa só pra você!
- Obrigada, meus mestres, João & Manoel. Vão lá, mandem um abraço pra Carlinhos, saudades dele. Beijooooos.

- Adelinha, ta ficando tarde, acho que você tem que ir, né?
- Sim, Rosa. Mas me diga, como devo fazer as coisas até voltar de vez pra cá?
- Seja exatamente como você foi. Amando intensamente e com propriedade sem nunca se arrepender de se olhar no espelho e encontrar seu próprio reflexo.
- E se isso tudo for um sonho? Um suspiro?
- Então, qual seria a importância do que eu falasse? Se eu fosse apenas parte da sua epifania morfiana, minhas palavras teriam o mesmo valor da sua auto-reflexão. Um sopro de pensamento, transmorfeado em Romanceiro Mineiro. No final, o que importa é o que (Você) pensa sobre isso. Morrer e desaparecer por absoluto é meio chatinho. Acho que ter esperança não faz mal se esse for o caso. Adoça a vida, no mínimo, que se parar na primeira morte já tem gosto adstringente de terra, caixão e pó. O homem só é realmente feliz quando ele foge da realidade dos sentidos sem se perder deles. Música, teatro, perfumes, sabores, sensações...
- Devo ter fé? Ou devo ser cética?
- Negar é sempre complicado. Dissimular para os sábios é o melhor. Seja dissimulada com a morte, e convença a vida de que ela vale a pena, começando ou acabando no óbito, dá no mesmo. O que vale são os feitos que ecoam na eternidade(se ela existir), e reverberam nas gerações vindouras; e o aproveitamento da vida. Se ela é única e sem próposito, é nosso dever tirar o máximo dela. Se ela é múltipla, ou é passagem, é nosso dever tirar o máximo dela do mesmo jeito, do mesmo tanto.
- Rosa, como ele é?

...

- Adélia? Meu amor, vai se atrasar pra palestra, tome seu café e se vista. Trouxe tudo pra você aqui.
- Ah, bom dia, meu querido. Você não vai acreditar no sonho que eu tive, não lembro de quase nada, só sei que João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira tavam discutindo, sobre alguma coisa, uma pedra, ou uma árvore, eu acho. Ai veio Guimarães Rosa me falar umas coisas misteriosas que eu não lembro nada agora!
- Mas até nisso você quer ser melhor do que os outros! Enquanto o povo acorda chorando quando sonha com defunto, você sonha com a Academia Brasileira de Letras! Machado mandou nenhum recado não?
- Mandou.
- Qual?
- Vai tomar no cu, Jonathan.

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Pedro Rafael também escreve aqui.