O desabafo de um desconhecido

O nome dela é Joana, mora na Bahia, mas todos chamam de Jô ou Morena, 27 anos,
professora de língua estrangeira; ela recebeu uma carta de uma forma bem diferente, sem
remetente, o carteiro não entrou em detalhes e continuou o serviço de entregar cartas pela
vizinhança, curiosa Morena abriu o envelope e começou a ler a carta, dizia o seguinte:

“Hoje voltando para casa eu comprei um cigarro no terminal de ônibus, eu sei como é toda a
campanha antifumo e o quanto ele faz mal a saúde, eu sei, mas você acha que eu me importo?
Preciso de novas experiências, preciso viver, perigosamente de preferência, para me sentir mais
vivo ainda.
Fumei aquele troço branco com cheiro esquisito, não soube como puxar o ar para dentro e
muito menos botar para fora, engasguei, comecei a tossir feito um tuberculoso, a moça que me
vendeu o cigarro saiu em desespero do balcão, bateu nas minhas costas, e eu aos poucos fui
parando de tossir, ela perguntou se tinha sido a primeira vez que eu fumava; gentil da parte
dela, se preocupou comigo sem me conhecer, é raro encontrar pessoas assim, que se
preocupam com as outras, é bonito de se ver, ela deve ser bem altruísta, coitada, deve sofrer
tanto quanto eu, respondi que sim, ela soltou um sorriso, e como gesto de educação retribuí e
saí andando normalmente com o cigarro na mão. Na minha segunda tentativa eu obtive
sucesso, fumei que era uma beleza, me senti um pouco Elvis, quem sabe Brad Pitt em algum
filme de suspense, mas e aí, qual a graça de fumar? Nenhuma cara, eu apenas preciso de novas
experiências, como te falei antes, viver é isso, conhecer tudo que é novo e aprender, somente
assim para saber separar o joio do trigo.
Minha vida anda um tédio estrondoso, percebo que não estou vivendo muito e perdendo
bastante tempo, e tempo é vida infelizmente, preciso viver coisas novas, adrenalina sabe? Estou
tentando mudar isso, é difícil, tentando viver coisas emocionantes em qualquer lugar,
acompanhado de qualquer pessoa, na solidão tudo é válido, numa noite solitária, qualquer
pessoa ao teu lado é lucro. Estou tão nostálgico que sinto falta até mesmo daquela solidão a
dois que Cazuza tanto fala, ao menos eu estaria sozinho acompanhado, não estaria
completamente só, um pouco de carinho e quem sabe alguma bebida, nessa noite está sendo
esse cigarro, poderia ser uma bela morena do sorriso radiante e da blusa decotada, mas agora
é apenas esse cigarro para tocar a minha boca e me fazer companhia, alguns trocados que não
garante uma noite completa e o ônibus que me leva de volta para a casa, minha rotina, na
monotonia do meu quarto, aquela que você conhece bem. É isso, senti vontade de falar um
pouco mais de mim essa noite, talvez quando você ler isso já vai ser outro dia, a vida corre; te
vejo depois.”

Ela ficou sem entender, a carta não tinha remetente, então, apenas pensou quem poderia
ser o homem da carta, ela não o conhecia, e não fazia ideia de quem era; amassou a carta
juntamente do envelope, jogou no lixo e murmurou:
- Acidentes acontecem.
Continuou fazendo suas atividades normalmente, e a vida continua correndo.